Projeto de produção agroecológica leva agricultores familiares à universidade para plantar ciência

Aos 29 anos, Israel Alves Vieira vai na contramão dos adultos jovens que nasceram e cresceram no campo, mas preferem trocar a vida do agro pela cidade. Além de investir tempo de trabalho e estudo para se fixar cada vez mais na zona rural, empreendeu e apostou na produção agroecológica como diferencial para gerar renda e favorecer o meio ambiente.

“Escolhi a vida no campo porque ela me dá mais autonomia nos meus afazeres e mais lucratividade. O rendimento do sítio não se equipara com o que eu teria na zona urbana levando em consideração o nível de escolaridade que eu tenho. Além disso, eu consigo tanto vender como consumir aquilo que eu mesmo planto”, explica o pequeno produtor.

Ele é um dos primeiros agricultores familiares de Corumbá que deixaram a zona de conforto e iniciaram a transição entre o cultivo tradicional pelo agroecológico, sem o uso de qualquer tipo de produto químico.

A iniciativa foi possível por um curso de extensão oferecido pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em parceria com a Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) e Embrapa Pantanal.

Para fomentar a produção agroecológica na Cidade Branca, até agora inexistente, essas entidades se uniram em 2016 para compor o Neap (Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica do Pantanal). O resultado  mais recente foi justamente essa oferta de uma disciplina chamada “Princípios e práticas de agroecologia” como extensão. Acadêmicos e produtores rurais sentaram dentro de uma mesma sala de aula para aprender e trocar experiências.

Israel foi um deles. Indicado pelo escritório da Agraer em Corumbá, onde é assistido pela equipe de extensão rural, ele aplicou os conhecimentos do curso, tal qual um verdadeiro laboratório a céu aberto. Inclusive a turma visitou o local como um fechamento do conteúdo ministrado, podendo observar na prática os resultados das técnicas de plantio sem agrotóxicos.

“Produzindo dessa forma, eu tenho ainda mais segurança na hora de comer. Eu acredito que eu posso incentivar outras pessoas a migrar para o cultivo orgânico, mostrando as vantagens. Eles vão ver que não tem como escolher ficar com os métodos antigos. As hortaliças têm muito mais qualidade e ainda nós deixamos de gastar com defensivos, além do valor agregado. Já fiz a primeira colheita e os resultados foram muito bons”, conta o agricultor familiar.

Vitrines Agroecológicas

Vania Sabatel Giovanni coordena o escritório da Agraer em Corumbá. Ela explica que além de Israel, que mora no assentamento Taquaral, uma agricultora familiar do assentamento Paiolzinho, Ianara Stral, também fez parte do projeto, cursando a disciplina e aplicando os conhecimentos em sua produção.

“Eles iniciaram a transição e o objetivo é que nós consigamos, no futuro, atingir o processo de produção orgânica”, explica.

Segundo ela, os dois receberam formação teórica sobre os princípios que norteiam a agroecologia, considerada uma ciência. “E tudo isso dentro da universidade, do ambiente acadêmico, e no campo também. Por isso que nós faremos uma visita com a turma nas duas propriedades e depois vamos chamar outros produtores para que conheçam, se interessem e deem continuidade ao cultivo livre de produtos químicos aqui na região”.

Os primeiros resultados foram vendidos em uma feira que foi um sucesso. “A parceria foi tão proveitosa que incentivou os dois agricultores familiares a se especializarem também, tanto que o Israel começou cursar agronomia. Ou seja, tivemos um impacto social positivo”, comenta Vânia.

Ciência como deve ser 

Quem comandou o projeto foi o doutor em Geografia e professor da UFMS em Corumbá Edgar Aparecido da Costa. Segundo ele, a disciplina foi possível graças a um projeto apresentado junto ao CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) intitulado “Apoio à expansão da produção agroecológica e da certificação orgânica de agricultores familiares  na fronteira Brasil-Bolívia”.

“Foi aprovado juntamente com alguns recursos para fazer investimentos e induções para ampliar os produtores na base agroecológica e de certificação orgânica em Corumbá. Fizemos a parceria com a Agraer, Embrapa e IFMS e criamos a disciplina, que para conseguir trazer os produtores foi em formato de curso de extensão”, explica o pesquisador.

Segundo ele, também participaram técnicos agrícolas e pessoas interessadas no tema. “Foi uma interdisciplinaridade total, com uma diversidade muito grande de pessoas. Nós discutimos e trouxemos conceitos sobre o que é agroecologia, falamos do processo histórico e começamos a pensar nas intervenções nos dois lotes dos produtores/alunos”.

Edgar afirma que a Agraer foi extremamente importante nessa fase do projeto. “Ensinamos a produzir mudas de bandeja, compramos o substrato com os recursos disponíveis e depois fomos transplantar os vegetais nas duas propriedades. Os alunos colocaram a mão na massa e ajudaram na limpeza das hortas e depois avaliaram a produção”, pontua o professor.

Segundo ele, a ideia do projeto surgiu quando foi verificado o uso excessivo de venenos nas plantações da região. “Por isso a nossa intervenção. Queremos mostrar que é possível produzir com muito mais qualidade sem agrotóxicos e com resultados ainda melhores”, completa.

Ricardo Campos Jr, Agraer