Planalto adia anúncio de Auxílio Brasil fora do teto após pressão de Guedes e reação do mercado

O Palácio do Planalto desistiu de realizar cerimônia nesta terça-feira (19) para anunciar que o Auxílio Brasil, programa social que substituirá o Bolsa Família, deverá pagar em média R$ 400 por família —acima do previsto anteriormente.

O recuo ocorre após nervosismo do mercado diante da possibilidade de o governo aumentar gastos acima do teto e pressão do ministro Paulo Guedes.

A Bolsa de Valores brasileira operava em forte queda e o dólar avançava firme na tarde desta terça-feira. Nos momentos mais tensos, o Ibovespa, principal indicador da B3, atingiu a marca de 109.947 pontos, queda de quase 4%, e o dólar foi a R% 5,61.

A cerimônia não entrou na agenda oficial do presidente ou dos ministros, mas foi confirmada reservadamente por autoridades.

O cerimonial do Planalto organizou o Salão Nobre do palácio, onde ocorrem normalmente os eventos públicos. Enquanto a cerimônia era cancelada, alguns convidados ainda chegavam ao local.

O plano que chegou a ser previsto para anúncio definia que o Auxílio Brasil deveria pagar em média R$ 400 por família —acima do previsto anteriormente. O governo planejava alcançar o valor com duas manobras fiscais.

A estratégia para criar o novo programa previa contornar a compensação orçamentária exigida pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e também driblar a regra constitucional do teto de gastos (que impede o crescimento real das despesas federais).

A rigor, o programa social tem hoje recursos garantidos para pagar menos de R$ 200, em média, aos beneficiários —aproximadamente o valor atual do Bolsa Família. O Ministério da Economia planejava elevar o montante para R$ 300 usando os recursos da taxação de dividendos, contida no projeto do Imposto de Renda —mas o texto está estacionado no Senado.

A alternativa encontrada foi, em um primeiro passo, elevar os recursos para o programa usando uma parcela temporária de aproximadamente R$ 100 a ser paga até dezembro de 2022. A visão é que, com isso, ficaria dispensada a exigência da LRF de compensar os valores (por meio de mais receitas ou corte de despesas). Isso porque programas que duram menos de dois exercícios não precisam ser compensados.

Além disso, outros R$ 100 serão pagos por meio de créditos extraordinários fora do Orçamento e, portanto, fora teto de gastos. Há dúvidas sobre como o governo fará o embasamento legal dessa estratégia.

O pagamento por meio de créditos extraordinários é autorizado pela Constituição apenas em casos de imprevisibilidade e urgência, e o mecanismo está sendo previsto para 2022 com o Orçamento ainda aberto a modificações.

Pelo plano em discussão, o gasto fora da regra fiscal ficaria entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. Mas há temor na equipe econômica de que o furo no teto possa “abrir a porteira” da irresponsabilidade fiscal, especialmente às vésperas de 2022, quando Bolsonaro deve tentar a reeleição.​

A NOVELA DOS PROGRAMAS SOCIAIS SOB BOLSONARO

Março de 2020

Ministério da Economia anuncia auxílio emergencial de R$ 200 para trabalhadores informais após avanço do coronavírus. Congresso altera proposta do governo e, em negociação com Bolsonaro, amplia valor do auxílio emergencial para R$ 600

Agosto de 2020

Plano elaborado pela equipe de Guedes para ampliar o Bolsa Família, criando o Renda Brasil, é rejeitado por Bolsonaro. O texto propunha a fusão de programas existentes hoje. Presidente afirmou que não iria “tirar de pobres para dar a paupérrimos”

Setembro de 2020

Proposta em estudo pela equipe econômica de congelar aposentadorias para turbinar programas sociais deixa Bolsonaro furioso. O presidente ameaça demitir quem sugerir esse tipo de ideia —após plano do Ministério ter sido apresentado em entrevista pelo então secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues

Setembro de 2020

Governo anuncia Bolsa Família turbinado por meio uso de recursos precatórios e do Fundeb (fundo para a educação). Programa se chamaria Renda Cidadã. Após forte reação negativa do mercado e de especialistas, ideia é engavetada

Dezembro de 2020

Após prorrogações do auxílio emergencial, governo interrompe pagamentos mesmo sem a criação de um programa social fortalecido

Abril de 2021

Depois de negociar a aprovação de uma emenda constitucional com medidas de ajuste fiscal, governo volta a pagar nova rodada do auxílio emergencial

Agosto de 2021

Bolsonaro envia ao Congresso medida para reformular o Bolsa Família, rebatizando o programa de Auxílio Brasil. Texto não define valor do benefício e vincula reajuste a aprovação de reforma do Imposto de Renda e limitação de precatórios

Outubro de 2021

Auxílio emergencial chega ao último mês de pagamento. Sem fonte de custeio, governo prepara manobras fiscais para financiar Auxílio Brasil. Plano em estudo prevê drible à Lei de Responsabilidade Fiscal e ao teto de gastos para pagar benefício médio de R$ 400. Ideia gera forte reação negativa do mercado e anúncio é adiado.

Fonte: Folha de São Paulo