Paraguai vai às urnas neste domingo de olho na normalização de laços com vizinhos

Dez meses após o impeachment de Fernando Lugo, os paraguaios escolherão neste domingo seu próximo presidente em um processo que deverá abrir o caminho para a normalização das relações do país com as nações vizinhas.

 

A eleição deverá ainda reeditar a tradicional polarização da política paraguaia entre os membros do conservador Partido Colorado e do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), de centro-direita, que tiraram proveito de um racha na esquerda e têm seus candidatos à frente nas pesquisas.

 

Tanto o candidato colorado, o empresário Horácio Cartes, quanto o liberal, o advogado e senador Efraín Alegre, defendem a volta do país ao Mercosul e à Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Alegre é apoiado pelo atual presidente paraguaio, Federico Franco.

 

Os blocos regionais suspenderam o Paraguai após o processo relâmpago que resultou na queda de Lugo, em junho de 2012. As organizações alegam que o impeachment violou cláusulas democráticas dos blocos e condicionam o fim da suspensão à realização de eleições presidenciais justas e transparentes.

 

Nas últimas sondagens, os candidatos tiveram, respectivamente, 45% e 36% das intenções de voto, com Cartes na liderança. Sua vantagem em relação a Alegre, porém, oscila entre um e 14 pontos percentuais, conforme o instituto de pesquisa.

 

Sua vitória representaria à volta ao poder do Partido Colorado, que governou o país ininterruptamente entre 1947 e 2008, até a posse de Lugo.

 

Um dos mais famosos empresários paraguaios, Cartes, de 57 anos, enriqueceu nos anos 80 e 90 com negócios nos mercados de câmbio e cigarros. Posteriormente, expandiu suas atividades para o agronegócio e comprou o tradicional time de futebol Libertad.

 

Sua carreira, porém, é recheada de polêmicas. Nos anos 80, ele foi preso, acusado de fraudar uma transação cambial. Também já enfrentou suspeitas de lavagem de dinheiro, contrabando de cigarros para o Brasil e até de laços com o narcotráfico.

 

Cartes rejeita as acusações. Em 2008, a Justiça paraguaia o absolveu num processo que se arrastava há 30 anos em que era acusado por evasão de divisas.

 

‘Brasiguaios’

 

Ouvidos pela BBC Brasil, brasileiros que moram no Paraguai acreditam que o candidato colorado é o preferido dos cerca de 350 mil “brasiguaios”, como são chamados os membros da comunidade e seus descendentes que migraram nas últimas décadas para o Paraguai em busca de terras baratas.

 

No país desde 1970, o fazendeiro brasileiro Romildo Maia de Souza diz que os laços históricos da comunidade com os colorados explicam a preferência. Grande parte das famílias brasileiras migrou para o Paraguai estimulada por política do general colorado Alfredo Stroessner, que governou o país de 1954 a 1989.

 

Ainda assim, Souza – que já foi prefeito do município paraguaio de San Alberto, no departamento de Alto Paraná -, diz que está frio o clima da disputa eleitoral nas zonas brasiguaias.

 

“Nem parece que vai ter eleição”, afirma ele à BBC Brasil.

 

O comportamento, diz Souza, talvez reflita a percepção de que, mesmo que Cartes perca para Alegre, os brasiguaios não enfrentarão turbulências.

 

Durante o governo Lugo, fazendeiros brasileiros diziam que havia “insegurança jurídica no campo”.

 

O ex-presidente, que prometera fazer uma reforma agrária no Paraguai, se elegeu apoiado por movimentos de camponeses e sem-terra. Os grupos dizem que boa parte dos produtores rurais brasileiros não detém a posse legal das terras e cobram sua redistribuição.

 

Conflitos

 

A questão agrária é tão importante na política paraguaia que Lugo foi derrubado após um conflito rural. Em 15 de junho de 2012, 11 sem-terra e seis policiais morreram durante uma ação de reintegração de posse na fazenda de um paraguaio em Curuguaty, perto da fronteira com o Paraná.

 

O episódio foi citado por congressistas paraguaios como uma mostra de que Lugo perdera o controle do campo e usado como principal argumento para destituí-lo.

 

Para os sem-terra, porém, o confronto foi desencadeado por mercenários, que haviam se escondido sem o conhecimento do grupo nem dos policiais a mando de poderosos que queriam desestabilizar o presidente.

 

Romildo afirma que desde que Federico Franco assumiu o lugar de Lugo os fazendeiros brasileiros vivem dias mais tranquilos. “Não temos do que reclamar”, disse.

 

Daí a expectativa de que, mesmo que vença o candidato de Franco, Efraín Alegre, de 50 anos, a situação não mudará.

 

O senador liberal ganhou nos últimos dias um importante apoio: o do também senador Lino Oviedo Sanchez, sobrinho do general Lino Oviedo, político popular que morreu num acidente de helicóptero em fevereiro.

 

Herdeiro político do general, Oviedo Sanchez estava inscrito para concorrer à Presidência pela sigla criada pelo tio, a Unace, mas abriu mão da disputa para aderir à candidatura de Alegre. Antes de desistir, ele tinha pouco menos de 5% das intenções de voto.

 

Últimos

 

Impedido de concorrer outra vez à Presidência pela legislação paraguaia, o ex-presidente Lugo tem tido papel discreto na campanha e tentará se eleger senador.

 

O candidato presidencial de seu partido (Frente Guasú) é o médico Aníbal Carrillo, que aparece em sexto lugar nas pesquisas, com apenas 2% das intenções de voto.

 

Com 11%, o candidato esquerdista mais bem posicionado na disputa é o jornalista Mario Ferreiro, da coligação Avanza País, uma cisão do partido de Lugo.

 

As poucas chances dos candidatos de esquerda têm feito com que muitos sem-terra e movimentos sociais venham pregando o “voto útil” em Alegre, para evitar a vitória colorada.

 

A eleição tem um só turno, e o político mais votado se elege automaticamente.

 

“Estamos descontentes com todos os candidatos, mas a vitória de Cartes seria um pesadelo”, diz à BBC Brasil o líder sem-terra Federico Ayala.

 

“O Paraguai já tem muitos problemas para viver esse retrocesso.”