Crimes contra a humanidade vão acelerar a queda de Putin

É isto um homem? Essa frase lapidar de Primo Levi, testemunha dos campos de concentração nazistas, resume a indignação contra os crimes contra humanidade cometidos em pleno século XX, uma infâmia que não parecia ser mais admissível no mundo moderno. Serve de alerta até hoje para que as memórias dessas atrocidades não sejam esquecidas nem se reproduzam.

Mas a invasão russa na Ucrânia já produziu cenas comparáveis. Execuções sumárias de inocentes, estupros diante de crianças, vítimas queimadas e câmaras de tortura foram reveladas com o recuo das tropas de Putin, que não conseguiram ocupar a capital Kiev e tentam agora dividir o país em dois, com uma região dominada pelo ditador russo depois de ser praticamente devastada. Como disse uma autoridade, Putin praticou uma luta contra o país, a cultura e a própria população ucraniana. Além de acabar com o mito da invencibilidade bélica, sua guerra particular está lembrando que os soldados russos já perpetraram diversas barbaridades contra seus vizinhos (por isso, tentam se abrigar na União Europeia e na Otan).

Desde a Segunda Guerra, tais cenas aconteceram apenas nos Bálcãs. Apesar de tripudiada pelos extremistas de direita e pelos nostálgicos do comunismo, a União Europeia conseguiu garantir a paz e a estabilidade duradoura no continente europeu nos últimos 75 anos. Isso vai continuar e o bloco está se fortalecendo diante da barbárie, estampando um dos maiores erros de estratégia do presidente russo.

A partir das últimas revelações, a guerra de Putin mudou de patamar. Para as democracias liberais, ao invés de conter o expansionismo do russo, a prioridade passa a ser asfixiar seu regime e tirá-lo do poder. Os líderes europeus hesitaram até o momento em exigir sacrifícios da população, pois o boicote ao gás russo (que financia a guerra) levaria a racionamento, mais inflação e recessão. Mas as imagens que vêm da Ucrânia lembram ao continente que esta é uma luta existencial: garantir a civilização, a paz e a democracia.

A mudança de atitude dos líderes já está em curso. Alemanha, França, Itália e outros países decidiram expulsar dezenas de diplomatas russos. A Alemanha, além de anunciar que vai se rearmar (mudando sua política pós-Segunda Guerra), já se prepara para um racionamento cada vez mais provável. O presidente alemão reconheceu que a colaboração econômica com os russos nas últimas décadas foi um erro. É uma mudança histórica.

Putin se beneficiou da integração global e do boom das commodities nos anos 2000 para montar sua cleptocracia, abastecer a população e rearmar seu arsenal. Sua ambição imperialista inspirada em Stálin é anacrônica, inviável e injustificável. Os europeus, que superaram o populismo irresponsável de Donald Trump e agora se reaproximaram dos EUA sob a liderança de Joe Biden, não vão dar uma segunda chance ao ditador russo.